26 de dezembro de 2007

Vento

As dores são como pequeninas rajadas de vento, vento surdo e inóspito. Chegam sorrateiras, vão contornando a pele; num rompante, um frio por dentro. As dores são imprevisíveis, por vezes quase de um cândido desassombro. Assim sendo, as dores têm algo de poema.

Por ora, nos encontramos em desconcerto. Em invisíveis sacudidelas meu corpo quer afastá-las: sopra, outrossim, essa brisa sombreada de vontades alhures. Longe estão, já não as alcanço.
Resvalo na leveza do vento.

E a noite me chega atafulhada de luzes fugazes, esvaziadas de palavra, ali onde meu silêncio enfim sossega por hoje.

21 de dezembro de 2007

Segunda Fugueta

Se me acode, por que saio?
Se não dedilho,
me ensaio.
Toco torto, tanto
caio.

Acorde tonto, de soslaio.
Preto no branco,
branco no preto,
entre,
entre,
entre.

20 de dezembro de 2007


De intervalos e saudades
I.
Esse burburinho sem nome, itinerante,
me sacode por dentro.
São laços de trama áspera
que adornam as dores e colhem as preces alheias:
minha pétala, pouco a pouco e sem ruídos,
a desprender-se.

II.
Anestesia de instantes,
intervalos abarrotados.
Teu silêncio contorna meus vazios
e deixa pontos de exclamação
a desvelar incongruências.

III.
Do que ainda não se sabe,
saudade.

27 de novembro de 2007


I. Os paralelepípedos


A poeira fez do sopro um trôpego desabafo.
Cai a terra,
em gotas.
Chovem os passos errantes,
na alegria disfarçada de poema.


II. As prateleiras

As notas que ficaram na pasta cinza empoeirada
dizem tanto que se esvaziaram.
Sobrou o suspiro da sua lembrança.

III. As janelas

A cicatriz do vidro do passado
ofusca o amor na linha do trem.

IV. As portas

Murmura, à noite, pequeninas dores
madeira-de-lei.
Quer contar seus segredos
aos desavisados insones.

1 de novembro de 2007


Fugas

Ainda bem que as palavras são portáteis, pensava, o olhar dedilhando fragmentos do mesmo caminho de todos os dias, telas evanescentes de um cotidiano sem surpresas. O corpo a sacolejar no movimento da mesmice, a fugacidade dos olhares alheios a surrupiar seus pensamentos já tão ligeiros, tantas palavras perdidas na infinitude de anseios escorregadios.

De um desavisado começo, melodia fugitiva. Escapa assim, entre os dedos, aquilo que não se diz. É sombra e alento, num súbito desejo de caminhar ao avesso, como se seus passos pudessem enfim reencontrar o que nunca foi seu.

Fecha os olhos, o corpo mais recostado, a náusea imprecisa de suas vontades desconexas. Embaça a imagem mesma, querendo desfocar o que se vê na mesma janela, fazer de um mesmo dia tantos outros, de um mesmo passado tantos destinos, de um mesmo toque tantos suspiros.

Na surdez do que não se conforma, se precipita rua afora: doce fluidez de concreto.

21 de outubro de 2007

Descentramento

"A melancolia e o estilo sofredor de ser não estão mais na moda, como acontecia entre os das gerações existencialistas e beat dos anos 40, 50 e 60. Da mesma forma, as pessoas com estilos retraído, reflexivo e sonhador não se coadunam mais com a moral vigente de exaltação do eu e do exibicionismo. A mundaneidade pós-moderna valoriza os carreiristas e oportunistas, que sabem utilizar os meios de se exibir e capturar o olhar dos outros, independente de qualquer valor. Daí a existência de certo conservadorismo político no universo pós-moderno, na medida em que a modernidade sempre foi associada à ética da ruptura e da utopia em oposição ao barateamento exibicionista.
Desta maneira, para os ferrados que não conseguem dizer "cheguei" de peito inflado, a fórmula mágica é a alquimia, para mudar a circulação dos humores. É preciso dar uma pancada química na bílis, dizem os novos especialistas da alma sofrente. Assim seria possível, acreditam aqueles, retirar as individualidades do cenário dark e inseri-los na cena colorida da representação e do espetáculo"

Joel Birman, em Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação

14 de outubro de 2007


Friends and the city



De repente, outra vez, cá estamos nós: um sábado à noite, sem grana no bolso (nem na bolsa, nem na carteira...), tomando um vinho (comprado no cartão do Zaffari) e jogando conversa fora, obviamente passando por todas as fofocas do momento.


Depois, quiçá uma biriba ou um seriado engraçado no devedê, que é pra gente fingir que no dia seguinte não há que se acordar cedo (ainda que domingo!) em prol dos estudos, cada qual na sua empreitada.


Andarilhas no Porto, às vezes deportadas, às vezes partidas. Errantes no copo de ceva, na noite fallida, nos planos desconexos, nas incertezas e desejos, nos acontecimentos banais do cotidiano. Quem mais faz da segunda-feira dia universal do trago-desabafo?


Pra isso, amigas - com elas, compartilha-se o que há de mais íntimo: o que não sabemos de nós ou o que sabemos e desgostamos (pra segurar o choro ou compartir mais uma risada). E, então, seguir em frente.


12 de setembro de 2007



Das constatações do cotidiano:

. Estou absolutamente mergulhada nas palavras. Elas me cercam por todos os lados, em todas as horas. Livros, xerox, polígrafos, anotações e afins se esbaldam na escrivaninha, na cama, nas prateleiras. Os privilegiados andam na bolsa, mas sofrem com os maus tratos do choque permanente com a carteira e a necessaire. Os que me fazem fugir, escondo na gaveta. Os da ordem da urgência, há uma cestinha estrategicamente posicionada. Apenas lamento o temporário distanciamento da poesia: a literatura precisou ficar na lista de espera.

. Este calorzinho leve e sossegado que paira no Porto tem me causado estranha sensação de liberdade: me alivia, subitamente, poder deixar respirar os pés. De vez em quando, os dedinhos até dão uns pulinhos de felicidade, comemorando o período nascente de hibernação das botas de bico fino.

. Da janela do meu atual dormitório (mais conhecido como o 'quarto-do-líder', pelos demais membros deste apartamento), tenho uma visão imensa e povoada: infinitos prédios, incontáveis janelas, algumas poucas árvores. Desta mesma janela, guardo a lembrança de meu primeiro dia nesta cidade, há quase oito anos: os pais haviam ido embora, e eu ficara por cá um tanto contrariada. A primeira imagem que eu guardo da cena que esta janela me expõe é embaçada e nebulosa: entre muitas lágrimas, eu olhava aquele horizonte de concreto e tinha medo da grandiosidade da cidade, a qual teria que desbravar.

. Hoje, o estranhamento vem com o silêncio.

. Antigamente, acordava às 6 horas da matina, pontualmente, com a maior disposição. O despertador tem sido cada vez mais cruel. Com vinte e quatro anos, há que se dispor de um celular com toques musicais suaves e um dispositivo de soneca apto a trabalhar ad-infinitum.

1 de setembro de 2007



Ainda e sempre

Para o que der, mas e o que vem,

de incerto faz suar a alma

de corpo liquefeito acaricia

a visão embaçada de um verde infinito.


E vamos de pé, a pé, sem hesitar:

o pulo do outro atesta meu pulo, o canto ao lado

faz ouvir o meu,

aqui dentro.


A rede grita, imortal é a história,

tricolor é a camisa que nos atravessa.

Não termina o sentimento,

não se esgotam as lágrimas,

nem os sorrisos,

nem os suspiros que não cessam

de acreditar.


Bebemos vinho,

bandeira trêmula balbucia a nota que rasga os sentidos:

de alma azul celeste te seguimos,

ainda e sempre,

por toda parte.





30 de agosto de 2007




Dos lugares e do fora de lugar


Há aqueles que, no clímax do desespero e da irritação, sentem vontade de quebrar pratos, arremessar objetos contra a parede, esganar almofadas, virar do avesso o próprio avesso do mundo.

Já minha irritação e/ou mal humor podem ser percebidos em relação diretamente proporcional à minha tendência em colocar tudo em seu lugar. Eu saio juntando papéis, guardando roupas, alisando as almofadas, apagando as luzes em excesso, fechando gavetas abertas, tirando o pó dos livros.

Tapetes foram feitos para sair do lugar, basta pisá-los para que se desloquem irritantemente. Os tapetes me transtornam, mas paradoxalmente, ainda assim insisto neles.

25 de agosto de 2007




Saudade dessa bisca...


É amanhã!

19 de agosto de 2007




"Eu sou do tricolor de Porto Alegre

Eu tenho a minha alma azul celeste..."


Nem tantos, mas nem tão poucos, no Monumental. Ontem, o dia feio de chuvisqueiro fino mudou de ares com um tricolor outra vez raçudo, disputando todo lance, contra um suposto Paraná que na primeira fase tocara 3 gols em nossos reservas. Foram dois golaços, a torcida sempre cantando (mais) forte, a certeza de que, enfim, e sempre, o sentimento não se termina.


Saudações tricolores!
P.s: espero, com o coração apertado, que não tenha sido a despedida do Cadu...

8 de julho de 2007

Divagações de um domingo à noite

A compreensão parece inibir a espontaneidade. Os entendimentos censuram o essencial de nossos dizeres: não temos mais do que versões, às avessas. Ignoramos oportunas idéias em nome de um pretenso saber que é, por certo, inacessível - e isso, desconhecemos pateticamente. No fim das contas, o espelho é quem ri de nós na sapiência de seu silêncio.

Sobre alergias e relações


Ele mandava rosas amarelas, todas as sextas-feiras, com um cartão de papel reciclado de toque enrugado. Ela não sabia como lhe contar, depois de tantos meses, que afinal de contas era alérgica a estes seres inanimados. Alérgica biologicamente e alérgica de todos os modos possíveis: além de incontáveis espirros, as flores despertavam profunda e incomensurável ansiedade. Se contasse, ponderava, cada pétala que ele, gentilmente, lhe presenteara como num ritual, ao cabo de tanto tempo, simplesmente ficariam pra sempre marcadas como um presente que provocava desagrado. Isso, com peso retroativo, pensava, poderia ser fatal à relação. Mas ele não sabe como lhe custa colocar aquelas flores no vaso, ainda de pijama, todos os sábados pela manhã - com um sorriso (também) amarelo. Como lhe custa cruzar com elas a cada ida ao banheiro e perceber que seus espinhos estão tornando menos nítida a vista pela janela justo quando se deita ali no cantinho do sofá, seu lugar cativo dentro daquilo que ainda chamava de sua casa.
Foi tomada de um desatino cheio de rubor. Sim, definitivamente ela ia contar. E ainda amanhã, cedíssimo, antes que se abrissem as primeiras floriculturas. Não podia lhe negar o direito de dobrar com o olhar a esquina.

18 de junho de 2007



Uma manhã

Desse silêncio matinal ela precisava, enquanto as primeiras folhas caíam como um sussurro ao chão. O vento que acariciava os móveis, que entrava pelas frestas sem nome, que resmungava em seus ouvidos. O café queimado, justo o aroma da noite passada: ela corre, intempestivamente, atrás do açucareiro.

14 de junho de 2007

É difícil, escrevo com lágrimas nos olhos e nas mãos, o coração dilacerado e doendo. Este escrito é em branco em preto, assim mesmo, cru.

Eu acredito. Eu sempre acredito. Eu vou acreditar sempre.

O tricolor é imortal, e nunca duvidaremos dele. Essa história não vai ficar assim, cheia de desprezo e risível. Aqui no Monumental quem canta somos nós.

Eu amo esse time por me proporcionar, mais uma vez, estar numa final da América. Não pegamos barbadas, com a gente a coisa é feia mesmo.

E quem sabe? Futebol são 11 contra 11 e quatro linhas. E, neste caso, ainda faltam 90 minutos. É o choro da esperança.

8 de junho de 2007


Coração em pedaços

E, pois, estamos na finalíssima. E contra o Boca. O Imortal Tricolor superou uma a uma as pedreiras que encontrou em seu caminho, todas dignas de uma final: São Paulo, Defensor, Santos... E agora La Bombonera pela frente. Meu coração já não sabe se agüenta. O Tri da América a apenas dois jogos. O Grêmio ainda me mata - como diria Vinícius de Moraes: "Hei de morrer de amar, mais do que pude".


"Grêmio: nunca duvide dele"
O sentimento não se termina...

4 de junho de 2007

Não adianta tentar parar de pensar. O jogo de quarta-feira não sai da minha cabeça. Quando, há dois anos atrás, na árdua batalha dos emaranhados jogos da divisão-segunda, eu poderia imaginar estar hoje prestes a ver meu Imortal Tricolor na final de mais uma Libertadores da América? Que eu poderia gritar, quem sabe, "TRI-CAMPEÃO"?

Eu acredito na profecia da senhora que trabalha pro Manoel que, num momento então de total insanidade, naquela época, afirmou que o Grêmio seria Campeão do Mundo em 2007. Eu preciso acreditar, ainda que o jogo de quarta não dê certo. Se não for isso, outra coisa. O gremista é movido a esperança, suor, lágrimas e sorrisos. É imortal, é guerreiro, não há time com tamanha raça e vontade. Não precisamos de estrelas: temos um TIME. E eu amo esse time.

Cada batalha do Monumental é regida a gritos, abraços, choro. Setor A1, um pouco à direita, ali no mesmo lugar onde sempre nos postamos, já fazendo amigos nos arredores. Eu gosto do concreto da arquibancada, de pular e sentir o chão tremendo, de sentir a vibração de um desejo coletivo: vamos, Grêmio, vamos!!!

Hoje, tengo ganas de escrever. Ganhando ou não do Santos, a vontade deste escrito precisava ter seu lugar. Se passar, muito amarei o Grêmio - se não passar, há um amanhã onde o amarei muito mais. Com o Grêmio onde o Grêmio estiver. Sempre.

Sinto o cheirinho de vitória de novo, e só isso já é bom demais! "Nada mais apaga essa história / Grêmio Imortal / ..."

E que o futuro tricolor seja, afinal, repleto de reticências e infinitos.

3 de junho de 2007

Das margaridas.


É o cotidiano do mesmo, do frio, das árvores ventosas. Tem sabor de mel e cheiro de eucalipto: narrativas de praça, palas, andanças e risos abafados. É bem ali, história que passa, já minha, já ida, sussurrando um mosaico de lembranças, aquecendo com nós de pinho.

Engraçado é que sigo os nós, dos frios tramados da lã, das cordas de pular. Os nós outrora dos cabelos, depois das incertezas.

As cores mudam, o tijolo é o mesmo - e um mesmo suspiro atravessa o corpo. Hoje é mais ligeiro meu passo, mas dou por conta que são as mesmas calçadas a abrigarem meus trajetos.

Eu queria de novo, e só para mim, um jardim abarrotado de margaridas.

25 de maio de 2007




É espanto e calor de lareira, é corte e sombra e inspirações pausadas. Eu me resumo e me expando em goles, me assombro e me caio, me rio, me volto. A reviravolta dos sonhos de meia tigela. O teatro das notas que cantam o traço dos meus pés, enquanto devaneio em desatinos imprecisos. As unhas lascam, os lábios ardem, a imperfeição do que se ouve pelos olhos. Dos imperativos, deleite. Percebo a infinitude de prazeres à luminária recheada de linhas desgovernadas. É o toque do corpo e a cegueira da janela: são deliciosos os abismos encarangados.

13 de maio de 2007



Não tem saliva, não sai palavra, a seco: é som e salto, é tato e dedos. Contemplo a noite na discrição amante de meu avesso. O cabelo úmido molha o travesseiro de saudades. Segundos nostálgicos do que de mim não faz reflexo.

Não tem moldura, é cena em desborde, é luz e escuro e é ofuscante. Inspiro.

Mas é ritmado o sentido, gotas de chuva deslizando em folhas. É a minha flor que insistiu em não partir.

(Poemas de amor voam no outono).

27 de abril de 2007

Do blog de Fabrício Carpinejar, uma inquietação:

"Necessitava urgentemente de um quartinho para não-ser. Um quartinho da inexistência - todos deveriam contar com um, para manter seus segredos. Um quartinho para trabucos, objetos quebrados, mesas lascadas, amores excomungados."


Percebo a impreterível urgência da possibilidade de não-ser, de desmanchar-se, de diluir-se nas entranhas do desconhecido de nós. Eu tenho caixas. Nelas, tíquetes de cinema, cartas de amores passados, flores, festas, fotos. Diários de adolescência, encaixotados, mas de alguma forma sempre acessíveis. Guardo poemas e jornais, palavras e cheiros. Eu me guardo, num resguardo do esquecimento.

Valsa de Esquina


A nota canta a palavra cega; molha as folhas
secas, roga preces e desatinos.
Carrega, a nota, as dores num compasso:
passo, pedra, pranto.
Anseia, a nota, como se tela
em branco.
(Noto o mundo, na suavidade
de um desespero).
Há o ruído do amor, sozinho,
melodias em tom menor.
(Foi paixão à primeira vista,
em uma valsa de esquina).

20 de abril de 2007


(Re)paixão I


Hoje, teus olhos foram meu espelho.


(Re)paixão II


Reapaixonar-se é ainda melhor que apaixonar-se. É um somatório de desejos, na ânsia de um infinito.


(Re)paixão III


Lembra das florzinhas vermelhas?

17 de abril de 2007



Dos prazeres do sono

É cansaço morno, feito o pó que descansa nos livros da prateleira. Das cobertas, o acalento de um
corpo fatigado: como é bom esse instante onde ainda temos nítida a sensação de poder,
simplesmente, descansar. As idéias ainda rodam entre o armário, o espelho e os perfumes, mas
também se cansam. E então, num rompante, (me) esqueço – e adormeço.

11 de abril de 2007



Dança

É assim, manso e errante:
traços, tréguas, toalhas de mesa manchadas.

Os copos de requeijão e cristal dançam
valsa.

Rodam as idéias, o ar abafado
e a solidão.
Do violão, falta uma corda
(já não toca nosso samba
de outrora).

É assim, torto e burocrático:
trôpegos lençóis, tapetes desalinhados.
Desalinha junto, roça
um sentido vago.

As fotos trocam olhares
mudos.
No amanhecer, palavra-sombra. Desespero de letras e o sol berrante lá fora. Uma xícara de leite, assim, devagarzinho. As manchetes do jornal fazem tranças com os sonhos da noite, ficção de passos-de-algodão. Vou deslizando metonimicamente, sem querer, e a minha pauta: nunca estou pronta pra iniciar um dia.

27 de março de 2007




Parto a poesia ao meio, em fatias, pequenos pedaços se esfarelando. Faço do meu avesso meu desejo e meu refúgio: fico ali, à espreita. Minha vida é um paralelo. Não sou boa de coordenadas, meu espaço é outro. Território de sons, vertigens e desassossegos. Ainda me desencontro no conhecido e fico a apreciar a vida silenciosamente, em pausa. Estou em descompasso com o ruído do mundo.
***
Depois de um breve período temporariamente fora do ar, ao blog de volta!

29 de janeiro de 2007

A poeira borra ele, suja ele,
lambe
ele.
Se desfaz do espelho:
sol-de-pedra vencido.
A poeira é olho morto;
traça embaça esgaça.
E ele cai,
soluço torto.
Com barco de papel na lama
encalha.
Torce o corpo ao vento:
é preciso o silêncio patético
do escuro.

12 de janeiro de 2007

1.

Eu ando descalça porque me vive sentir o chão; terra nos dedos arde o remendo da pele. Eu ando descalça porque a vida me engole e me permito fingir que conheço meus passos. Eu gosto da pedra e da sina: "não cresças, menina, fique a três palmos do chão!". Por amor, obedeço, descalça, amanheço, do pálido - forte. A palavra também se sujou de areia e cascalho.

2.

De repente,
desconheço meus poemas.
Não sei mas,
nem mais, nem portanto.
Me desaprendi, assim,
num rompante.
Simplesmente, hoje,
estou a-mariliada.