24 de junho de 2010

Afetações

I.

É pastoso. Escorre, mas com tamanha lentidão que me rasga em algum impossível. É grudento, dilatado, espraia-se por entre os mais ínfimos sussurros. Do grito à mudez, do murmurar ao silêncio.

(Andei todo o caminho com os olhos manchados de um negro-frustração).

O movimento é um sem mover-se. É amansamento da brisa, é apaziguamento do que pulsa, são lufadas de hábitos e velhosidades e ransos que recusam-se ao desassossego, que sonegam o descompasso, que atolam-se na inércia, que liquefazem o disruptivo, que achatam em uma melodia monocórdica os agudos, que não se privam de aplanar o desconcerto.

(Um como-foi).

E, em sua cegueira, estão a tatear-se na escuridão das lâmpadas fluorescentes. Afogamento da boca faminta e sedenta e ruidosa. Atiram-se pedras no moinho: e que cesse o giro, e que acomode-se enfim o cotidiano em seu mesmo, e que cada dia seja apenas um ontem a mais.


II.

Ali onde se toca o conto
e que de duas palavras, fez-se
canção.
Aspiro,
respiro,
inspiro.

Poemizo carregada de eu,
precisando diluir-me em alguma nota
dissonante,
algum noturno audaz
em sua brevidade,
quase
anestésico
do existir.

III.

E meu receio era do arrebatamento:
um corpo-ouvido
infinito.
Que de meus poros, a fugacidade
do sensível
perceba-se, em uma qualquer
manhã
desencontrada da afetação.