30 de outubro de 2009

1. Breve

Era só descompasso. Furo. Fundo. Fome.
Era pétala,
sombra.
Sagaz como suas lembranças mais remotas.
(Prazer de olho
e voz
e melodia).
Era noite
desgrenhada, revolta
vã.
Fez-se falta
redesenhada.
Tal como a nudez daquelas
cores.
(Como o insesato dos dissabores).
Vibrante como as notas
mais íntimas.
Pulsação do impossível.
(silêncio).
Mas, adversativa:
nem de espelho,
nem de palavra.

2. A agenda vai envelhecendo, as páginas antigas veem reuniões e horários e compromissos ofuscarem-se em poesia. Escrevo nos entremeios de junhos ou maios, sem distinção de dia ou noite. Carrego o tempo. Consumo os vazios passados.

16 de outubro de 2009

De desertos e dissertações

“Mestre Aristeu continuou: quisera uma linguagem que obedecesse a desordem das falas infantis do que as ordens gramaticais. Desfazer o normal há de ser uma norma. Pois eu quisera modificar nosso idioma com as minhas particularidades. Eu queria só descobrir e não descrever. O imprevisto fosse mais atraente do que o dejá visto. O desespero fosse mais atraente do que a esperança” – Manoel de Barros

Trabalho de parto. Nunca tive um, mas ocorreu-me que se tratava de uma analogia pertinente ao momento - embora tosca e hiperbólica. Perdoem-me a redundância, mas a escrita de minha dissertação vem colocando em cena nuances absolutamente radicais e desconhecidas de minha relação com o escrever. Quase preciso escrever sobre escrever.
O que antes fluía como brisa, de repente empaca. Engasga. Meses a fio rondando os livros, fichando capítulos, organizando infindáveis planilhas, mensurando o incomensurável. Mas o texto, este seguia entalado na garganta. As ideias vinham, mas quase como se em uma língua estrangeira, difícil de traduzir - quanto mais habitar. Um tempo sem território: angústia.
De repente havia um impreterível. Do que urgia, as primeiras palavras. Que se fizeram muitas. Me lembrou a violeta do Mateus, seca por meses, mas que com seus incessantes cuidados e águas e olhares acabou por tornar-se flor. Que num repente multiplicaram-se. Lindas florezinhas brancas a adornar nossa sacada. Quiçá angústia como água. Como febre desassossegante.
Não creio que o longo caminho em frente seja menos árduo. Mas algo se me coloca de modo distinto, sem ao certo saber de que se trata. Porque, de certa forma, talvez não escrevamos sobre o que queremos, mas sobre o que podemos. É tênue o caminho da escolha. Sai, quase à revelia. É do que clama voz e espaço. É do que nos descompensa.