29 de dezembro de 2011

Pinceladas sobre o tempo

1.

Porque já te amo, desde então,
o ontem arde do amanhã
que é.

2.

Afago as páginas amarelecidas
do agora. Teus olhos cintilam,
rugosos da espera.

3.

Bem ali, mirando à espreita,
o receio em notas crepusculares
cantarola a incerteza.






22 de agosto de 2011

1. Tombo

Por fim, o mesmo. Já acenava outro dia, fingi não perceber. Irrompeu: tarde demais. É preciso repetir, ainda outra vez. O fracasso cambaleante quando ali tão tão que impossível. Compassos de letras minúsculas; e a dor me chega em gotículas.

2. Conversa com o vento

No além da língua mãe,
estrangeiras preces
comungam insônias.

O feitio não é ajustado:
as pernas dançam no tecido mole
das palavras bêbadas.

A forma pede errância:
não me implorem
esquadrinhamentos.






25 de julho de 2011



DA INSISTÊNCIA

Construo pontes. Há dissonâncias intransponíveis e, ao mesmo tempo, olhares que se entrecruzam em cumplicidade: encontro no desalento. Queremos falar, mas o silêncio é imperioso. Rubores, cabeça baixa, dizeres claudicantes. Aventa-se resgatar o ontem, mas do ontem pouco resta. Mais bem: resquícios nebulosos de dias festivos e efusões palavreiras e amanheceres de entusiasmo e pastas abarrotadas. No fim das contas, já sabemos. Queremos insistir, contudo. Fechamos a reunião com um sorriso tão triste quanto sincero. O salto derrapa no piso frio, exausto da escuridão. E esta umidade que faz doer as costas, e esta cortina empoeirada que sufoca as narinas, e esta porta a ranger dores tão íntimas de nós.

DA ESPERA

Planilhas transbordantes
assentam rotinas:
alaranjados passados,
ventanias lilases.

(Pairam, em quietude,
histórias azul-celeste).

Amarelados limites,
gargalhadas esverdeadas:
somatórias impossíveis
de mim.




3 de julho de 2011

Queda

Os números embaçados insistiam, apesar de tudo, em chamá-lo.
Do outro lado, apenas o registro eletrônico de que ele, deliberadamente, a evitava. Trêmula, bebeu a um só gole aquele uísque caro que ele esquecera em sua casa. Queria aspirá-lo junto dos cubos de gelo, reencontrar seu cheiro no odor nauseante do álcool. As lágrimas queimavam a pele tanto quanto o líquido em sua garganta. A falta corroía-lhe o pensamento, fez-lhe cambalear as pernas e despencar, soçobrante, na poltrona de couro envelhecido.

1 de julho de 2011

Conta-gotas de sexta-feira


1. Saudade

O livro amarelo
dorme a meu lado.

2. Despedida

E, bem assim:
o fim.



Tempo

Uma vez havia um caminho
para voltar.

De barro e úmidas
delicadezas.

Horizonte de estrelas
tímidas e de luz
esguelhada.

Por um tempo
longo e de andor
espesso.

Por um tempo breve
e de passar
cantante.

Pontilhado

A voz úmida com a intempestiva rouquidão. O adorno audaz com a claridade reluzente, quase opressora. O afago acetinado com o olhar áspero. A vertigem com a embriaguez.

Tramam suaves trajetos de contorno, apalpam o riso curvilíneo e manso, dançam uma melancólica canção ao avesso. Abafam com finos toques a agudeza do grito. A voz cálida e contrita cai, sôfrega, embaralhando os nós ainda não desfeitos. Misturam-se os resquícios e os silêncios e os desatinos.

Costura de infinitos pontilhados.

30 de junho de 2011



Na ponta

E, no fim das contas,
tudo é simplesmente
um dispor-se
à afetação.






14 de junho de 2011

Crise

Dois miojos em um mesmo dia é o clímax da depressão no plano alimentar. Entre eles, intercalo uma reles xícara de café preto. Não que não me apeteçam outras possibilidades gastronômicas, e admito que a recente e inédita preguiça de ir ao supermercado tenha contribuído para uma razoável carência de possibilidades.

Tudo indica que não posso mais, de agora em diante, ingerir leite e derivados. Depois de meses (para não dizer anos!) de crises reiteradas e sofríveis em ascendência, já era hora de tomar uma atitude. O exame para sacramentar ainda não pousou nas mãos da gastro, mas a forçada dieta de quase dez dias controlando minuciosamente a ingestão destes alimentos, indicada pela médica do pronto-atendimento, provoca-me um bem-estar inigualável. Nenhuma crise, nenhuma dor, nenhuma ligação desesperada para o Mateus no meio do dia, o corpo volta às engrenagens. Impossível negar: em tese, é MUITO melhor viver assim.

Contudo, entretanto, porém (e todas as adversativas existentes!), me é sacado o que de mais prazeroso eu posso conceber no plano alimentar: o queijo! Ah, o queijo... e o café com leite e os molhos cremosos e o estrogonofe e a lasanha e a pizza e o filé ao molho de nata e o beirute e a ricota e o parmesão ralado e o requeijão (etecéteras infinitas). Impossível mensurar quantas noites da minha vida foram abastecidas única e exclusivamente a duas fatias de queijo e uma taça de vinho. Simples assim. E delicioso!

Nada disso me é permitido. Crise existencial inevitável: qual a graça comer? Tento consolar-me: pelo menos não me tiraram o vinho...




26 de maio de 2011


A música!!! Ah, a música...

Que êxtase, que transbordamento, quão indescritível a sensação de que meu corpo está a flutuar, ele caminha por entre este mar de eriçados ouvidos, se mistura ao coletivo, meu braço então já se confunde com a mão desta senhora aqui ao lado, meu rosto sorri junto deste rapaz de boina torta, misturamos lágrimas e, por vezes, faz-se preciso cerrar os olhos para que o excesso de vida não inunde a possibilidade de ouvir...

E as batidas me rasgam em inusitadas direções, anestesiam o corpo castigado das vinte horas na fila, da pele alva lanhada pelo sol inclemente. A coluna outrora entrevada agora chacoalha como se nenhuma dor houvesse existido, os pés amortecidos e os joelhos inchados não hesitam ao pulo. E não os sinto, eu sinto a música, eu a desejo de modo voraz, eu a abraço com meu corpo e minha alma e com tudo o que fui ou posso vir a ser...

Que lindo, a música!

Que lindo estava, o Paul!

30 de março de 2011

Depois de três longos dias à base de remédios que, sempre em uma vã esperança, nos fazem acreditar que a sensação de atropelamento gripal - ímpar - pode ir embora com alguma rapidez, acordo finalmente com disposição à vida. Aliviada, abro as janelas e deixo que o sol venha arejar a casa e me resgatar desta forçada hibernação. Ocupo a manhã com impreteríveis organizações: mexo em planilhas, leio, passo um café, organizo a agenda, resolvo pendências. Como me apraz a sensação de que o corpo volta às engrenagens: sigo!

15 de março de 2011

Constatação

Não adianta, é torto. É torpe e delicioso,
aventa a efervescência que julgara
distante, quiçá
imperfeita.

É latejamento que avança tipo córrego.

Amanso e descanso, embaraçada:
outro ritmo,
cadência que sobe.

Faz implorar pelo riso-encontro pontiagudo.

Corta, tipo navalha. Jorra
um já-foi, talhado de
muito muito novo.


9 de março de 2011

(Enfim: ponto e vírgula.)

Alívio.

1 de março de 2011

(...)

O hiato dizia
de nós.
Antes intrépidos,
agora
assustados,
recolhemo-nos nas miudezas.

O hiato falava
do que não dizia;
pintava carinhosamente o tempo,
acuado.

Duas pequenas curvas
a contornar um infinito.


27 de fevereiro de 2011

Conta-gotas II

. a música, em mim, nasceu da disputa;

. foi preciso adocicar a canção que desperta;

. fujo, sem saber ao certo de que;

. ... disto que encontro?

. o enfrentamento e a entrega fundem-se neste líquido-cor-de-anseio;

. é possível pedir a estrada, quando não se tem o passo?

. é possível sentir saudade do irrealizado?

. no sonho: a placa cai, a pétala se abre, o desaparecimento à espreita;

. o que seria, se fosse?

. compor o que comporia se compusesse;

. impostergável surdez do ao redor;

. como explicar a ausência?

. da escrita diminuta à palavra entorpecida;

. da divagação ao prazer.

.
das cores

Era seu ponto de discordância, acima de tudo. Qual hipérbole de seus devaneios, um quadro cuja imagem parecia remeter a algum ponto de infinito.

Ele tinha cores, ofuscava pelo brilho, feito dia de céu azul. Ela tapava as frestas, antes da luz. Afinal, onde residia o resguardo?

Ela percebia-se a artificializar o mundo, às meias. O quadro, por seu turno, convocava ao deslumbramento da forma distorcida.

(As roupas secavam com os resquícios.)

Parecia, enfim, uma certa composição entre a horizontalidade e a pungência. Entre os livros que dormem e os livros que, despertos, tramam preces de acolhida.



24 de fevereiro de 2011




Preâmbulo

É a tensão entre a métrica
e o desatino. Avidez,
feito sede incontida.
Conjuga a trama deste corpo
em seu transbordamento.

(Do que tangencia
o impossível).

Um a postular a valsa, outro a me assoprar
o ruído. Um a querer-me na retidão,
outro a ensejar-me
o disparate.

(Deste, entrego-me ao insensato).

O primeiro quer, do todo,
extrair justo o mais
de mim.

(Exausta da palavra certa empoeirada e
trôpega,
desejo o poema).

É preciso, então, ceder lugar
à palavra-música.
À nota dissonante, que estremece
o corpo,
que me toma em calafrios.

(Desejo ensandecido da palavra rubor
da
palavra viva como nota).

Quero ler como
quem ouve; e só posso escrever
como quem toca.


12 de janeiro de 2011

Queda

O tempo dolorosamente contraído me apressa. Respiro sua afoiteza e permito que meu corpo seja inundado por seus reclames. Já não há como sustentar a espera. Resmungo a palavra. Tristes cápsulas desta presença que me consome. Tão farta delas, mas tão necessitada.

Disse outro dia de uma visita necessária. Será a última? Há uma placa caindo, no sonho. "Mais". Que faz-se menos.

Tanto tenho visitado, de fato, estas lembranças. Atualizam-se com uma força irreprimível. É preciso externar o pranto que ficara retido no emudecimento. No silêncio, a dor é cega.

Mais. Que ao cair, desvela a janela. A queda que precipita a visão. Que relança a possibilidade de olhar. É preciso abrir as cortinas, sair da penumbra. É preciso a coragem do olho.

(É preciso o despeito do ódio.)

Considero os riscos, hesito. É nebuloso ponderar de que adiante se trata. Tão banal quanto aterradora, a pergunta: que espero?

Podia voltar, junto do mesmo, o novo que dá saudade. As músicas que não toquei. O que poderia ter sido e nunca foi. Para embalar o que foi e o que sou. Notas suaves como a brisa da manhã, cheirosas como pó de café, leves como a poeira que sofro em ver se acumular.

(Monte. Do latim montis. Elevação de terreno. Anagrama: ontem)

Queda e subida. Queda e o olho que abre. Voz grave, olho agudo.

(É preciso amainar o olho e com-passar a voz.)