8 de julho de 2007


Sobre alergias e relações


Ele mandava rosas amarelas, todas as sextas-feiras, com um cartão de papel reciclado de toque enrugado. Ela não sabia como lhe contar, depois de tantos meses, que afinal de contas era alérgica a estes seres inanimados. Alérgica biologicamente e alérgica de todos os modos possíveis: além de incontáveis espirros, as flores despertavam profunda e incomensurável ansiedade. Se contasse, ponderava, cada pétala que ele, gentilmente, lhe presenteara como num ritual, ao cabo de tanto tempo, simplesmente ficariam pra sempre marcadas como um presente que provocava desagrado. Isso, com peso retroativo, pensava, poderia ser fatal à relação. Mas ele não sabe como lhe custa colocar aquelas flores no vaso, ainda de pijama, todos os sábados pela manhã - com um sorriso (também) amarelo. Como lhe custa cruzar com elas a cada ida ao banheiro e perceber que seus espinhos estão tornando menos nítida a vista pela janela justo quando se deita ali no cantinho do sofá, seu lugar cativo dentro daquilo que ainda chamava de sua casa.
Foi tomada de um desatino cheio de rubor. Sim, definitivamente ela ia contar. E ainda amanhã, cedíssimo, antes que se abrissem as primeiras floriculturas. Não podia lhe negar o direito de dobrar com o olhar a esquina.

Um comentário:

Carol disse...

Mari, aquela Carol nao sou eu. Mas faço minhas as palavras dela. Eu fiquei impressionada. Quando sai o livro? Bjs