7 de janeiro de 2013


1. De encontros e descobertas ou "Só tinha de ser com você"

Hoje faz exatos 108 dias que Vicente chegou. Não seria nenhuma data especial - trata-se de uma segunda-feira qualquer, sequer estamos completando os divertidos aniversários de mês. Exceto pelo fato de que, pela primeira vez desde seu nascimento, quis sentar para escrever (ou ao menos tentar, sabe-se lá quanto tempo durará sua soneca...) sobre as intensidades da grande aventura que já vivemos até aqui. 

E começar por onde? Quiçá repetindo todos os clichês do amor incondicional - porque sim, neles cabem muitas verdades? Quem sabe contando de nossos inícios? Das últimas descobertas? Das nostalgias? Dos anseios? 

Talvez este não seja um escrito de um dia só, já que de pronto percebo o tanto que as palavras parecem não poder contornar. Das vísceras, o que dizer? Do que nos toca no mais íntimo e inesperado de nós, como contar?

Quando esperava o Vico, ele poderia ter mil rostos, milhões de trejeitos, incontáveis formas de olhar, infinitos tons de pequenina voz que se faz riso. Sem dúvidas, nesta espera, já há um grande amor. Um amor estranho, de um parceiro tão perto quanto distante. Mas agora, mirando seu rosto adormecido, penso que só podia ser ele. Ele esteve desde sempre, e é como se o tempo voltasse e todos os dias da longa espera de nove meses (no nosso caso, quase dez) ganhassem forma. Era ele! Sempre foi ele! E preciso outra vez parafrasear Elis Regina: "só tinha de ser com você"... 

Ultrapassamos o primeiro trimestre e, com ele, novas descobertas. Vicente já anseia alguma independência. O sono, antes sempre afagado no colo, já clama por espaço no conforto da cama ou do sofá - e a música a seu lado, acalentando o descanso, carrega alguma permanência, do que sai do calor do corpo para o mundo. 

E então eu tenho mãos! E as mãos podem pegar os pés! Rio sozinho pensando no quão divertido pode ser brincar com meu próprio corpo. O tapetinho de atividades, outrora ocioso, se torna um mini-universo tridimensional: é um tal de balançar o elefante, se lambuzar na vaquinha (o mundo apalpado com a boca!), levar uns safanões do hipopótamo, girar para o lado, depois de bruços, e então a mão ficou presa embaixo do corpo. Como fazer? Me socorre, mamãe! 

E assim se desdobram nossos dias, em ciclos: mamar, brincar, musicar, dormir... E então recomeçamos tudo outra vez. A hora do banho, a hora da manha, a hora da risada. Poupo os detalhes de fraldário e afins. 

Então fico a lembrar dos primeiros tempos. Do caos (e do cansaço) inevitável pelo qual todos os pais precisam passar. Ninguém nos avisa que é assim ou a gente escuta e ignora? Tendo a crer na segunda opção. Porque assim como o caos chega, ele se vai e nem percebemos. 

Eu e Mateus,  embora sejamos tão diferentes em tantas coisas, nos unimos numa certa obsessão por mapear a vida. E resolvemos naquele momento assinar um jornal. Precisávamos desesperadamente pontuar o tempo do incessante com algumas mínimas balizas. Sua chegada na porta, às seis da manhã, de alguma forma demarcava o início do dia. Começou  o dia de novo! Mesmo que tivéssemos, feito zumbis, estado sem dormir a noite inteira, aquela marcação nos tranquilizava. Da mesma forma, elaboramos um mirabolante prontuário na geladeira. Ali registrávamos (e ainda o fazemos, embora a planilha tenha avançado em seu conteúdo) mamadas, limpezas, cocôs, xixis, cólicas, horas dormidas, horas de atividade... Precisávamos uma rotina, mas ela só viria com o tempo. As noites de descanso também.

Hoje, os registros podem transcender as necessidades do corpo e dizer mais dos afetos da alma. Das visitas, dos encontros. Das angústias. Dos pequenos (grandes) aprendizados. É engraçado que, do ponto de vista do desenvolvimento, nossos filhos fazem nada mais do que o esperado. Ainda assim, como pais, não cansamos de nos deslumbrar com cada passo, cada conquista. Fico bem ali, entre derretida e boquiaberta, admirando Vicente em sua ânsia de vida, de alguma forma olhando o mundo um pouco com seus olhos doces e curiosos. E então me percebo revigorada, como se a maternidade tivesse me emprestado novas lentes, pelas quais posso ver o mesmo desde outro lugar. Outras cores, outros cheiros, velhas canções. Me sinto de novo um pouco criança, embora nunca tenha estado tão adulta. Aliás, qual o limite disso mesmo?

Filho, a mãe te ama demais.