15 de junho de 2012



Espantos e amanheceres


As manhãs são apaziguantes de mim. Um café novo a dissipar o sono e a umidade, a luminária em um lento e sôfrego esmorecimento. Algumas linhas, algumas pausas. A cama posta, as ideias em efervescência. Apanho meu bloco, deposito rasuras e itinerâncias, ainda entorpecidas da noite. Quase um entre-ser. 


Vicente me acompanha, matutino como a mãe: cedo se apruma, trocamos afagos de toque e música. Despertamos para o dia ao passo mesmo em que, não sem espanto, apercebemo-nos outra vez desta mútua existência. Esquecimento e lembrança, escrita e vertigem: o riso é lacrimal, no pranto também há lirismo. 

12 de junho de 2012

Uma manhã de terça-feira


É estranho. Pensar que tão próximo estamos da dita estabilidade quando, mais do que nunca, sentimo-nos tão... instáveis. Fico a me perguntar em que momento a vida ficou tão séria. Quando foi que as planilhas do Excel - com seus intermináveis planejamentos, contas, prospecções - tomaram mais espaço na área de trabalho que a poesia, que a leveza da uma nota qualquer sorrateiramente escrita ao embalo de um cálice de vinho e um Chopin ao fundo. 


É estranho, e assustador ao mesmo tempo, perceber as circunscrições e contornos, quando por tanto tempo prezamos pelos silêncios que caminham ali mesmo, no desborde. Difícil alojamento na linha tênue que divide a métrica e a inexatidão. Que divide o esperado e a dimensão de surpresa que cada dia carrega. Que divide a rotina e a pungência, os ideais e a névoa. 


(O corpo, a forma, o disforme).


Acolho, por ora, a beleza do olhar ofuscado, temeroso, que não sabe ao certo por onde trilha, mas que não se exime a seguir o passo. Caminho, um pouco, no escuro. A tatear os anseios e receios, vontades e desatinos, como quem se deixa arranhar pelas asperezas, que não se furta ao desassossego. A traçar novos horizontes de leveza. 











8 de junho de 2012

Descompasso


Abriu a gaveta como quem procura desabitar-se. Apalpou antigas cartas e cheirou as flores ressequidas, já sem cor. Restara o perfume do tempo, este sim implacável. Já não sabia ao certo onde estava: se nos anseios juvenis, se na dissonância do agora. Um paradoxo: o passar do tempo não traz certezas, mais bem inquietantes hiatos de si. À margem do script, o desejo. 

2 de junho de 2012



Sopros

Porque é leve, embora rascante
meu olhar desvia
do assombro.

Enquanto o corpo acolhe
o sopro, finjo ser possível
o esquecimento.

Tangencio tuas notas ainda
mudas, feito nostalgia
do irrealizado.

E o desejo como tempo do
fora, como um suave e insone
descabido.