21 de dezembro de 2009

DESABITAÇÃO

I.
É de borboletas, feito
suspiro.
Ainda encontrar vazio o olhar
(e sempre o foi)
daquela janela.

II.
Os passos acusam a estrangeirice e a avidez,
a menina e o
assombro.

III.
Amarelecidas, engavetadas, escondidas, quase
vertigem.
Resgato o que já não
para vislumbrar o horizonte
de lamparinas.

IV.
Tão estranha a triste alegria que me tomou de súbito
ao anoitecer.

17 de dezembro de 2009

O silêncio do blog definitivamente não corresponde ao que tem sido minha vida nos últimos tempos.
Além de trabalhadora em tempo mais-que-integral e mestranda nas horas vagas, é preciso confessar que a condição de noiva radicalizou o panorama de minhas mundanas ocupações.
Nem Freud nem Lacan. Um enorme parênteses abrigou incontáveis pesquisas, reuniões, desesperos, orçamentos e alegrias. Nem tudo são flores na vida, mas em um casamento...
Então, na falta de maiores inspirações palavreiras, deixo algumas imagens (selecionadas pelo futuro excelentíssimo marido...rs) para compor a página das cotas de viagem.
(2010 já começa bombando!)

3 de novembro de 2009

O ataque das abelhas

Azar pouco é bobagem. Não bastasse o tórrido retorno do feriadão, sob sol escaldante que nenhum ar-condicionado dá conta, prestes a chegar em casa vejo incontáveis chamadas de um vizinho em meu celular. Minhas teorias conspiratórias logo imaginaram o pior: entraram no apartamento!!! Bem, foi algo muito próximo disto.

Acreditem se puder, mas minha área de serviço (ou, mais exatamente, o compartimento do gás) foi invadido, ursupado, tomado por um enxame de abelhas. Infinitas, incomensuráveis, a formar um grande cone. À sua frente, corajosas guardiãs monitoravam o terreno. Era um entra-e-sai sem fim. O vizinho alertava: as novas espécies africanas são muito agressivas. Melhor não tentar nenhuma operação caseira.

Ok, chamei os bombeiros (aliás, a título de informação, o disque-abelhas é o 193, e não o clássico 190). Com toda calma (!) fecho a porta da área e fico à espera. Quando chega o caminhão (!) a vizinhança já se aglomera na frente do edifício, pois eles trazem consigo glamourosa visita (!): repórteres da Tv Pampa acompanham os brigadianos na operação de resgate (rs). Poupo-lhes os detalhes de filmagem e entrevista. Mico do ano.

Chega a trupe toda no apartamento, constatam que o enxame é dos grandes, que já fizeram colmeia e tudo o mais. Retornam à noite para o extermínio. Posso também optar por cultivar um apiário dentro de casa, pois elas já começavam a produzir mel (!). Não, definitivamente escolho mandá-las para aquele lugar.

Nove da noite, aportam os bombeiros outra vez. Agora munidos de roupas especiais, tubos de Rodox e mil apetrechos impensáveis. Quando ele mexe o botijão de gás... o zumbido de mil abelhas simultâneas toma conta de todo o ambiente. Mesmo com aquela roupa, me dá muita pena do pobre cidadão trancafiado ali na área de serviço.

Enfim, resumo da ópera: desde a noite de ontem, convivo com um verdadeiro cemitério de abelhas. Por todos os lados, por todo o pátio, por todo o beiral; algumas morreram unidas, confesso que me comovi. Que situação, quase cômica, em pleno dia de Finados.

Pior ainda são as remanescentes, mais perdidas que cego em tiroteio (literalmente), a rondar a área sem rumo nem prumo. Deixei quietas, logo mais devem desistir e ir embora. Assim espero.

30 de outubro de 2009

1. Breve

Era só descompasso. Furo. Fundo. Fome.
Era pétala,
sombra.
Sagaz como suas lembranças mais remotas.
(Prazer de olho
e voz
e melodia).
Era noite
desgrenhada, revolta
vã.
Fez-se falta
redesenhada.
Tal como a nudez daquelas
cores.
(Como o insesato dos dissabores).
Vibrante como as notas
mais íntimas.
Pulsação do impossível.
(silêncio).
Mas, adversativa:
nem de espelho,
nem de palavra.

2. A agenda vai envelhecendo, as páginas antigas veem reuniões e horários e compromissos ofuscarem-se em poesia. Escrevo nos entremeios de junhos ou maios, sem distinção de dia ou noite. Carrego o tempo. Consumo os vazios passados.

16 de outubro de 2009

De desertos e dissertações

“Mestre Aristeu continuou: quisera uma linguagem que obedecesse a desordem das falas infantis do que as ordens gramaticais. Desfazer o normal há de ser uma norma. Pois eu quisera modificar nosso idioma com as minhas particularidades. Eu queria só descobrir e não descrever. O imprevisto fosse mais atraente do que o dejá visto. O desespero fosse mais atraente do que a esperança” – Manoel de Barros

Trabalho de parto. Nunca tive um, mas ocorreu-me que se tratava de uma analogia pertinente ao momento - embora tosca e hiperbólica. Perdoem-me a redundância, mas a escrita de minha dissertação vem colocando em cena nuances absolutamente radicais e desconhecidas de minha relação com o escrever. Quase preciso escrever sobre escrever.
O que antes fluía como brisa, de repente empaca. Engasga. Meses a fio rondando os livros, fichando capítulos, organizando infindáveis planilhas, mensurando o incomensurável. Mas o texto, este seguia entalado na garganta. As ideias vinham, mas quase como se em uma língua estrangeira, difícil de traduzir - quanto mais habitar. Um tempo sem território: angústia.
De repente havia um impreterível. Do que urgia, as primeiras palavras. Que se fizeram muitas. Me lembrou a violeta do Mateus, seca por meses, mas que com seus incessantes cuidados e águas e olhares acabou por tornar-se flor. Que num repente multiplicaram-se. Lindas florezinhas brancas a adornar nossa sacada. Quiçá angústia como água. Como febre desassossegante.
Não creio que o longo caminho em frente seja menos árduo. Mas algo se me coloca de modo distinto, sem ao certo saber de que se trata. Porque, de certa forma, talvez não escrevamos sobre o que queremos, mas sobre o que podemos. É tênue o caminho da escolha. Sai, quase à revelia. É do que clama voz e espaço. É do que nos descompensa.




29 de setembro de 2009

Momento gerúndio

(Adjacências: Valsa de esquina n. 2, de Francisco Mignone; uma aula a preparar; uma planilha em ardorosos devaneios; o cálice; o corpo em exaustão; as flores desabrochando na sacada; a lágrima; um projeto de dissertação a criar corpo para além do mundo das ideias; a casa por limpar; o tempo em urgência; e o desejo logo ali à porta).

Também o blog se tece de silêncios, ruidosos como nunca. Sou, por ora, em frente. E, quando é tanto por dizer, quase não me sai.

18 de agosto de 2009

Café com Lacan

"Há sempre coisas que não colam. É um fato evidente, se não partimos da idéia que inspira toda a psicologia clássica, acadêmica, ou seja, a de que os seres humanos são seres adaptados, como se diz, já que vivem, e portanto que tudo deve colar. Vocês não são psicanalistas se admitem isso. Ser psicanalista é simplesmente abrir os olhos para essa evidência de que não há nada mais desbaratado que a realidade humana. Se vocês creem ter um eu bem adaptado, razoável, que sabe navegar, reconhecer o que tem de ser feito e o que não tem de ser feito, levar em conta as realidades, não resta senão mandá-los para longe daqui. A psicanálise, nisso se juntando à experiência comum, mostra-lhes que não há nada mais estúpido que um destino humano, ou seja, que sempre se é passado para trás. Mesmo quando se faz alguma coisa que dá certo, não é justamente o que se queria. Não há nada mais desiludido que um senhor que chega supostamente ao cúmulo de seus votos, basta falar três minutos com ele, francamente, como talvez só o artifício do divã psicanalítico o permite, para saber que, no fim das contas, esse lance é justamente o lance de que ele zomba, e que ele está, além disso, particularmente enfastiado com todas as espécies de coisas. A análise é perceber isso, e levá-lo em conta.

Não é por acaso, porque isso poderia ser de outro modo, que por uma sina estranheza atravessemos a vida sem encontrar ninguém que não infelizes. Dizemos para nós mesmos que as pessoas felizes devem estar em alguma parte. Pois bem, se vocês não tiram isso da cabeça, é que não compreendem nada da psicanálise".

14 de agosto de 2009

Quiçá seja pelo terrorismo da gripe, mas a verdade é que teve início já antes disso. Ou, talvez, pelo frio descomunal que nos assolou este inverno. Mas a verdade é que nunca desejei tão intensamente - e às avessas de meu usual - a chegada dos ares primaveris. Hoje levantei cedinho, único dia da semana em que não preciso madrugar e sair de casa às pressas. Senti uma vontade louca de abrir as janelas: fui escancarando uma a uma. Tomei meu café com aquela brisa da manhã entrando na sala, lembrando da vida que há em frente. Senti até vontade de retomar minha planilha de leituras, ociosa há dias, empoeirada como o frio. Vontade de esconder as botas no armário, igualmente os casacos, e andar mais leve por aí. Hoje o dia se anuncia ameno. Diz o site de ZH que teremos um final de semana quente. E que o sol inspire também novas letras por aqui, pois este blog vem penando um inexplicável abandono. A ver, a ver.

19 de julho de 2009

Mais uma vez, ainda, sempre: "O sentimento não se termina".



IMORTAL

Em breve, um post-vídeo direto do Monumental, singela homenagem a esta torcida apaixonada e apaixonante, que nunca cessa o pulo e o canto - companheiros anônimos de uma loucura em comum: "te sigo aonde for".

De faxinas e de encontros



Ontem encontrei, em momento de faxina virtual, alguns arquivos de áudio gravados de modo impressionantemente arcaico (há sabe-se lá quantos anos atrás) - de músicas ao piano. Gravações imperfeitas que, com seu chiado ao fundo, pareciam notas amarelecidas com o tempo. Como se ouvir as pudesse esfarelar. Então, tive de atentar um cuidadoso ouvido.

23 de junho de 2009

(e não é?)

TODA-VIAS


I. Foi preciso falar desde o silêncio: pacientemente, contemplo o reflexo ofuscante da tela em branco e aceito minha momentânea condição. As letras me fogem, nestes tempos. Não inspiro; aspiro.


II. Um comentário da Alice, dia desses, entrou de modo pontiagudo nesta agoniante espera: falava ela do quão perecíveis são nossos questionamentos. Quando a letra cala, quiçá algo do vivido já esteja de tal modo em movimento que é preciso contorná-lo desde outro lugar: movimentos de redimensionar, apalpar, revirar, a-versar, desencontrar.


III. É preciso haver-se com o que se perde e se amaina em nós, no intento de abrigar este descompasso. Convoca-nos a aceitar a transitoriedade, a provisoriedade, a precariedade: o caminho da escrita faz-se caminho errante, que no próprio processo faz turvar nossas ilusórias antecipações, nossos suspostos 'lá'. Vou entendendo que não há chegada, quiçá tampouco partida. Há caminho. Há revelia. Há um entre.


IV. Dos desejos: que vá embora a chuva, que venha o frio outra vez (e suas xícaras fumegantes, suas palavras-neblina, suas chegadas-aconchego, suas taças coloridas de rubi). E que o Tricolor desassossegue aqueles que já premeditam seu fracasso, fazendo reacender sua imortalidade e voltando do Mineirão com intumescidos ânimos, vivos para o grande segundo duelo no Monumental.




9 de junho de 2009

Um afago (e uma dica pro cinema da semana):

http://www.youtube.com/watch?v=pL6l2YgGx-4

"O primeiro é o que fica na história", Fabio Koff.

22 de maio de 2009

Noturnas

I. Amanhã, 23 de maio, Mateus e eu completamos exatos sete anos juntos. Sim, sete! Inevitável considerar que um amor se trama de incontáveis re-paixões. Desde então, somos (sempre) outros. Considerando que nossa história começa em uma fria noite no Monumental, neste domingo brindaremos (metaforicamente, haja vista a insana e recente proibição das polares e afins em recintos futebolísticos) nosso amor em um (também) recomeço do Imortal, com novo comandante na casamata.
(E te direi, ao pé do ouvido: "o sentimento não se termina...").

II. Por algum desconhecido motivo, que transcende os limiares da razoabilidade, escolhi a sexta-feira à noite como um dos meus horários de 'plantão' na Clínica. O cansaço da semana inteira pesando em algumas horas de forçado silêncio. A imaginar, reiteradamente, o momento de pisar no meu apê, botar a tocar uma música boa, tomar um cálice de vinho e regozijar-me do descanso por vir.

12 de maio de 2009



Doze horas ao dia (ou) Saudades futuras

É de excessos, mas pulsa. Tudo e mais um pouco, quiçá mais um pouco ainda.
O corpo pede: pausa. O corpo arde: clamor-quietude.
É de anseios, de sustentos, de sussurros. Seguro minhas pontas, que de tantas, turvam o olhar. Não cedo. Insisto.
Transpiro.
Aposto.
Neste tanto, entretanto, fico a sentir falta de ausentar-me.
Falta faltar. E preciso fazer da letra
meu intervalo.


30 de abril de 2009

Com(partindo)

. Mateus há tempos desejava uma escrivaninha, cerceada de nuances um tanto complicadas na compatibilização com nosso orçamento de uma incipente vida em comum. Para tudo ele se deleita em esmiuçados planejamentos; tendo o Excel como melhor amigo, estabelece pesquisas, alicerça possibilidades, anota infindáveis métricas e hipóteses. (Eu entraria na primeira lojinha e já me encantaria com a primeira possibilidade). Ele compasso, eu rompante.

Então ela chega, ocupa o lugar da poltrona, desordena meus livros e causa um efeito dominó que vai se estendendo por todo o apê. Inquieta minhas disposições padronizadas. Me convoca a mudar a posição no sofá, a alterar o ângulo da luz, a reposicionar aqueles pequeninos vasos que (então lembrei) havia comprado em um final de tarde do inverno passado - um dia em que saí da Clínica decidida a juntar minha escova de dentes, entrei num 1,99 da Protásio e marquei simbolicamente o primeiro objeto de um então futuro ainda inexistente.

E brindei o desassossegar de mim.

. Deste lugar de escuta:

“(...) a tal ponto que se pode dizer que, onde há espera, há transferência: dependo de uma presença que se divide e demora até me prestar atenção – como se se tratasse de fazer morrer o meu desejo, de abandonar a minha necessidade. Fazer esperar: prerrogativa constante de quem tudo pode, ‘passatempo milenário da humanidade”. (Roland Barthes - A espera)

20 de abril de 2009


Novembro ou Um vazio em seis notas
I. Seria um dia como outro qualquer - mesmas vozes, mesmos passos, mesmo cheiro-náusea da manhã. Entretanto, fulgurava uma crônica anunciada. Fez-se pó. Fez-se tanto.
II. Na janela: beija-flores, beija-dores, beija-amores.

III. Sabia de antemão não poder lembrar deste caminho, num repente as ruas tornar-se-iam estrangeiras: haveria um tempo íntimo a entrecortar todos os alhures, de uma lentidão resignada, de uma dor sem dono, oca e pálida e insone.

IV. Some.

V. Já não; e o olhar no espelho arde, apalpa a falta como quem amassa o pão, trama o grito, acalenta os possíveis nomes de uma história que contará no futuro, quiçá um dia.

VI. Um nome.




3 de abril de 2009


INFINITIVOS

Uma lembrança

A vertigem; os dois mundos; a casa das margaridas.

Uma escuta

Somos o invivido.

Um afago

A espera.

Um embaraço

A ordem convoca o olhar?

29 de março de 2009

Disto

Foi surdina de novo, retumbante. Re-tombante. Foi preciso o assombro do velho, o peso doído do mesmo, o sacolejar, o enternecer das ranhuras-meninas - bem ali, assustadas a seu canto.
Quis falar-te tão logo que nunca possível.
Pensei nos vestígios ínfimos, íntimos, ainda pulsantes. No afago de encontrar-me justo nesta multidão de cores e gritos e vazios.
Estive desértica.
Efêmera.
Estive no alívio do que não sobra.
Tramo um conto de subtítulos, apenas. A tentar receber as intensidades outras: de um pouco que vibre, que permita ao olhar tal deleite. Quero fechar os olhos. Quero (des)imaginar.

Insisto meu silêncio em teu afã de infinitos.

22 de janeiro de 2009

Do que segue

Há dias ensejo um escrito. Vejo meu blog já empoeirado de letras passadas; mas, destas frestas aqui, fiquei a regozijar-me do que vai envelhecendo de mim.

Deixo-me passar, também, ainda. Porque é de um lugar outro que vos falo. Neste intervalo, outrei-me como há muito tempo não o fazia.

Há dias quero pintar esta página branca com algumas letras que contornem minimamente as intensidades com as quais vou me encontrando. Batemos um papo, tomamos um café.

E de tantas oportunidades sensatas, quiseram sair estas linhas em uma quinta-feira ensolarada, neste cedinho da manhã, em que chego mais cedo ao consultório e fico a organizar todas as coisas, talvez tentando organizar-me junto. As histórias fora da ordem.

É palavra-alívio, feita de uma feliz exaustão.

E então, sigo o baile.