27 de novembro de 2007


I. Os paralelepípedos


A poeira fez do sopro um trôpego desabafo.
Cai a terra,
em gotas.
Chovem os passos errantes,
na alegria disfarçada de poema.


II. As prateleiras

As notas que ficaram na pasta cinza empoeirada
dizem tanto que se esvaziaram.
Sobrou o suspiro da sua lembrança.

III. As janelas

A cicatriz do vidro do passado
ofusca o amor na linha do trem.

IV. As portas

Murmura, à noite, pequeninas dores
madeira-de-lei.
Quer contar seus segredos
aos desavisados insones.

1 de novembro de 2007


Fugas

Ainda bem que as palavras são portáteis, pensava, o olhar dedilhando fragmentos do mesmo caminho de todos os dias, telas evanescentes de um cotidiano sem surpresas. O corpo a sacolejar no movimento da mesmice, a fugacidade dos olhares alheios a surrupiar seus pensamentos já tão ligeiros, tantas palavras perdidas na infinitude de anseios escorregadios.

De um desavisado começo, melodia fugitiva. Escapa assim, entre os dedos, aquilo que não se diz. É sombra e alento, num súbito desejo de caminhar ao avesso, como se seus passos pudessem enfim reencontrar o que nunca foi seu.

Fecha os olhos, o corpo mais recostado, a náusea imprecisa de suas vontades desconexas. Embaça a imagem mesma, querendo desfocar o que se vê na mesma janela, fazer de um mesmo dia tantos outros, de um mesmo passado tantos destinos, de um mesmo toque tantos suspiros.

Na surdez do que não se conforma, se precipita rua afora: doce fluidez de concreto.