20 de dezembro de 2008
E é como se pudesse estar outra vez em cada traço conversa sombra muda. Do sem-palavra, dedilho lágrimas desencontradas.
Copiosa e o cálice, avariada e o grito, falto foto tempo sopro.
Falto-me, falto-te-, faltamo-nos.
Eu e o tempo, que desatinado encontro, que melancólico encontro de quadros fora de lugar, um obrar em suaves acordes de um primeiro movimento incessante.
Espalho-me em riscos imagens rubores. É de uma nostalgia viva como o discreto ventilar das persianas, de um sopro íntimo como o espelho
do avesso.
Nós, outros. Eu, lá em tanto, em fins e nós em
tantos.
Toca-me, toco-te, tocamo-nos.
Da revelia oca, (des)ato.
Pinto-me. São impostergáveis nuances-cortes-gotas, antecipo as marcas, cheiro outra vez o descompasso desta hiância, quis agarrar daquele ensejo um segundo tão breve que pronto.
Que é de um não cansar. Não
entrar.
Que é arquitetada por insana recorrência de linhas fugitivas.
Tão minha como nada.
Tão nada como pudera.
Tão ponte como sensata.
Tão ata como dissera.
Tão fome como
Palco.
11 de dezembro de 2008
Há momentos em que,
de tão vida,
do poema resta
seu ensejo.
7 de dezembro de 2008
Porque estaremos a postos, como sempre, no alento incondicional - "de pé, a pé, sem hesitar". Porque este amor é infinito - e Imortal.
E que me enche de orgulho, ainda que a estrada seja adversa. Sempre o é. Afinal de contas, "vivemos de loucura".
Ainda e sempre: O SENTIMENTO NÃO SE TERMINA!
6 de dezembro de 2008
I. Rua Sergipe, 512: cheiros, texturas, tão precisos tal como há pouco, tão frescos como o café que acabo de passar. E de tal intensidade que as palavras parecem muito humildes em recompor a sutileza das narrativas.
5 de dezembro de 2008
Parto letras, ainda ontem. Meu tempo se (me) assombra. Assopro cautelosamente as lembranças, ali a revolutear meus devaneios, a fazer brotar gotas nos olhos-cansados-da-noite-mal-dormida, a desassossegar as previsibilidades desta sexta-feira à noite. É de um silêncio mais ruidoso que todos os barulhos do mundo, de uma vontade mais fluida que todos os compassos, de sombras mais nítidas que todos os contornos. Já não e ainda, quase posso apalpar com a ponta dos dedos: palavra-corpo, palavra-palavra, palavra-tão-palavra.
23 de novembro de 2008
K.
1. Depois de longo engasgo, vomitou-se. Já não suportava o sacolejar, soçobrava dos fétidos odores, a respiração já não alcançava. Nem lápis nem papel à mão, o suor escorrendo entre as pernas, o banco como que se derretia, era plástico e suor e cheiro de gente. Para não aspirar poeira, cerrou os olhos. Queria voltar, não lhe agradavam as fugacidades, mas quando dava por conta, e às vezes nem dava, estava com a velha mala aprumada de seus poucos pertences, a parada do ônibus já atafulhada às cinco da manhã. Nem leite ainda e já vida mesma, nem calor ainda, e ela já indo, nem pra onde, nem pra quando, nem por nada.
2. Perdera a noção das horas, desejava apenas dormir conforme o sono, comer conforme a fome, ignorando totalmente a massa de passageiros e seus hábitos e horários e conformidades. Era isso, K. não se conformava nem se confortava. E o olho abriu assim de susto, como cegueira de quando a gente vê tanto que de tão perto não fica cor nenhuma.
3. Alguns retornos mais e surgiu uma brisa boa, até conseguia, com certo esforço, encontrar a grama ou a terra seca. Já podia pensar, pensava. Que faltava algo ali de dentro, e por isto ela não alcançava o de fora, e tinha de ir sempre pro mais longe que podia, sem nunca poder saber se mesmo o passado de tão pertinho podia resplandecer de novo, nem mesmo o passado mais de perto, que de tão agora nem foi ainda.
4. Inextrincável defasagem: K. desejava ardorosamente escapar daquilo que a todo instante se lhe voltava como impossibilidade de esquecer. Quanto mais esquecia, mais dizia, em uma hemorragia verbal desconexa, todo o tempo desvelando algo além do que pressupunha no início, todo o tempo desvelando, aliás, o que de mais íntimo e secreto ela possuía. Com isto passou a nutrir nefasta fúria pelas palavras, simplesmente enganadoras. Havia uma sutil (porém notória) hiância entre sua intenção e seu desatino. E lágrimas vertiam dos olhos cansados da poeira ao perceber que estrada nenhuma calava este buraco, que de tão dentro nem dentro estava mais.
Vitor Ramil
"Satolep ainda não passara. Com ela, meu temor de que não passasse. Eu, criança, mais rápido que o tempo, também ainda não passara. Lá me vinha eu caindo pela escada do sobrado em que vivera parte da infância - partes do sobrado me surgindo lentamente, que de tão lentamente surgindo, que tantas partes do sobrado, que tantos gritos tão parte do sobrado, que tanto o sobrado surgindo e demorando a passar".
18 de novembro de 2008
E foi tamanho o desassossego que por instantes não soube discernir entre fúria ou lamento: presenciava uma seqüência patética e linear de cenas pré-programadas, enlatadas como milho, a continuar de mesa em mesa, nas falas vazias com reticências infindáveis, nas delicadezas acetinadas, sem aspereza, polidez burocrática e morta e insossa.
16 de novembro de 2008
I. E falávamos de vida, da finitude de todo instante, do filme de há pouco, da livraria fechada, de pressas e vontades; e então pareceu surpresa com uma frase que, sem mais nem menos, me escutei compelida a dizer: que bom que nos temos.
II. Toda perda é também uma perda de si; deste contorno que supostamente nos outorga a possibilidade de um 'si'.
Si, e se, e quando... bemol?
A insana sensação de que estamos em extensão, tanto de mim bem ali - e meu acolá se esconde. Transmissão? Invenção? Todos modos, me encantam os improvisos, conquanto para mim condicionados à costura segura de uma partitura. Dentro das linhas, aí sim, devaneio. O olhar-reflexo reverbera prazerosamente. E, assim, posso destituir-me. E me ir. E me des-ser.
III. A cafeteira faz seu café borbulhando tons; ela acha graça dos vizinhos pagodeiros, do gato desesperado com seus gritos medonhos, do velhinho da porta ao lado e suas imprevisíveis gargalhadas, da moça na janela a limpar incansavelmente suas vidraças. Petulantemente, segue seu ofício, vez por outra arriscando compasso novo, ensaio disruptivo a abalar o mesmo-tão-mesmo. Pena que suas pausas parecem não encontrar um tempo comum.
IV. Os conselhos que quase sempre são tão vazios, precisamente por ignorarem a passionalidade das coisas. Da potência que elas exalam. Não: sigo a preferir as intensidades.
V. O assombro que relança o olhar: "talvez seja interessante que estejas a produzir nos trajetos, e não ao parar".
VI. De fato, sinto-me estranhamente atraída por lugares entre. E não é de agora; perdi as contas de quantas vezes esqueci-me de descer onde deveria, sigo em frente, capturada em pensamentos e idéias que parecem tão assustadoramente novas, em um vão e presunçoso esforço de memorizá-las, para posterior registro. Porém, do registro já se escapa, restando, não apenas, a possibilidade de passos outros. É um paradoxo incessante: quando não estou em lugar algum, é também quando mais me estou.
13 de novembro de 2008
Foi vagarosa e intensamente - que de tanto, se desvelava intransponível, inacessível, incomensurável. Fez-se (e fiz-me) corpo, com seus ruídos silenciosos e íntimos. Naquele instante, como se todo o tempo já não fosse mais que a brevidade de uma imagem, fulguração da dor e do amor que num repente me olhavam fusionados e crus e nus. E tão pulsantes, que eu os acariciava em imóvel-silêncio, quando os olhos já não alcançavam, nem as mãos desatinadas a tentar contornar o incontornável. Foi, naquele preciso momento, como se desde sempre.
Agarrei a voracidade, como se possível possui-la: queria pincelar meus dias com aquelas cores, imbuir-me de vento e sopro, porque solto e porque vivo e, ali, já tão meu.
6 de outubro de 2008
E então, delicadamente, se aplacavam os desassossegos do travesseiro, se desafogava o insabido, se amainava com goles quentes a secura das incertezas, dos receios, dos temores. Abriu todas as janelas como quem tenciona tomar para si todos os virginais ares do amanhecer, daquele respirar úmido e pausado. Quase melódico, pensou.
14 de setembro de 2008
I - Tomada de súbito rompante, apertei o link "deletar perfil". Ele ainda, gentilmente, perguntou uma, duas, três vezes: cara usuária, tens certeza de sua decisão? Há bastante tempo ensaiava algo que considerava libertador: a saída do orkut. Desejava sair daquele enovelamento de bisbilhotagens, daquele ode à imagem. Quando dei por conta, já não tinha fotos, nem recados guardados. Pouco restava: então guardei meus depoimentos carinhosamente em um arquivo. Não descarto voltar, mas por ora a sensação é boa demais. Quase como na época em que não havia celulares, nem orkutes, nem msn's: quiçá um tanto nostálgica disto que tornava os encontros tão distintos, quando as pessoas suportavam a idéia da 'espera' pela outra. Um voto de resistência ao imediatismo. E sigo circulando pela palavra.
II- Dos pequenos (grandes) prazeres da vida: levantar um pouco mais cedo, a casa em silêncio absoluto. Preparar uma enorme xícara de café com leite, refestelar-se na poltrona ou na rede com o jornal do dia - e, na seqüência, um bom livro. Experimentar a deliciosa brisa matinal que entra pelas frestas da janela, bem como os calorosos e oblíquos feixes de luz que, paulatinamente, aquecem o ambiente. E a vida.
26 de agosto de 2008
23 de agosto de 2008
Engraçado quando isso acontece: o passo já se mistura ao chão, e não se sabe se o caminho é de ida ou volta.
27 de junho de 2008
E foi então que abrimos um parênteses afoito, quiçá intentando outorgar lugar às palavras convalescentes – letras não desenhadas, sagazes em seus espelhos. Consigo transgredir o que até então soava inexpiável. Viramos os olhares ao avesso.
Partilhamos reticências, outrora ponto simplesmente, espio pelas frestas do encontro, cautelosa, em adágio.
16 de junho de 2008
O silêncio
Era riso, prosa, verso: um a um, ao longe, escorregando por seus dedos, fazendo enrubescer a face, levando as canções tão piegas, as cartas, os cheiros. Um a um, de volta ao tempo, um a um, a desembaraçar preces, a reviver noites e dias, noites e dias, noites e dias.
Era um respirar ofegante, um a um, caindo como poeira, difusos no ar, entremeados de agora, afugentados do olhar. Caíam. Voavam. Luziam. Voltavam. Fugiam.
A mão agarrou com força, nem ar encontrava, eles caíam e já fugazes, já perdidos, já passado, já ausência. O tempo então outro tempo, e mais outro, e mais outro, e o infinito, e o infinito como o grito que acalentou, como o grito que evanesceu, como o grito que a boca não gritou.
Chorou, nem por tristeza, nem por festim.
13 de junho de 2008
Deitou-se lentamente no carpete há pouco colocado, ainda cheirando a novo, embriagou-se daquele cheiro-desatino. Quis tocar bem ali, na dor, mas a dor por ora doía além da conta, a pele se ressentia do toque, o corpo encolhido de susto e deserto.
Quis pegar o telefone, convidá-lo a tomar algo, dizer a outrem das horas lastimadas: a lágrima escorre, ele jamais poderia supor. Quis alimentar o vazio com um chá de camomila naquela xícara de porcelana, em vão tentou mudar seus quadros de lugar - as cores lhe voltavam tortas, em uma nítida sensação de que nada então seria o mesmo.
E todas as cores eram branco-hospital. E pulsavam e ardiam e gritavam.
Quis sentir raiva, porém, sem forças, deixou-se levar pelo torpor daquele final de tarde e do cansaço inexaurível. Havia um suave quebranto no vento em notas graves. E ela então sonhou com o vestido azul-de-baile.
3 de junho de 2008
29 de maio de 2008
Das incongruências
Ele espiava com avidez e assombro, os pés de rua, barriga de preces, corpo menino - ainda que já tão-tão noite. Fixava o olhar, extasiado. Os corpos dançantes, as saias a rodar, os machos galanteadores a lançar venenos doces de mão e trova.
Ele não entendia, o magro menino, dos corpos bailantes a sapatear desígnios de uma dor tão sua.
Ele não entendia, quiçá pelo cansaço das horas curvadas, aquele baile a lamber sua terra arranhada deste vermelho-que-sai-do-corpo, aquelas taças a destilar com alegria e adornos os infortúnios de seu destino, reverberando pelas paredes de concreto gritos eufóricos a uma distância regulamentar.
Mas antes que a canção fosse a termo, percebe as cortinas cerradas; ainda quis segurar um suspiro de dentro, respirando tão fundo, enchendo de ar a fome de feijão.
30 de abril de 2008
Palavras precisas em momentos incertos; afago certo nas horas imprecisas. Um conforto sincero ali onde o olhar, por vezes, não alcança. Palavras doces que contornam vazios; palavras necessárias nos intervalos vacilantes. E, assim, sem mais nem quando, compartilham-se os descaminhos e alegrias da vida. Disso, afinal: um amigo.
P.S: este pequeno texto, hoje, tem endereço - à Pri, por sua amizade. Que inspira.
21 de março de 2008
Bom final de semana prolongado a todos!
1 de fevereiro de 2008
duvido
de onde vão...
Eles andam
sem medo
se vão.
E vão.
Desejos
eu desejo.
Desejos,
eu preciso
de desejos,
mais desejados,
mais andados.
Desejos
desérticos,
efêmeros,
sem gêneros,
dialéticos,
Desejos
acalorados.
Desejos
entorpecidos.
Desejos
sem rumo,
sem prumo
no mar...
Desejos
indesejáveis
são somente
acariciáveis
à noite,
estáveis...
Desejos
18 de janeiro de 2008
I.
Havia uma cadeira para quem aprouvesse. Alguns tapetes
calados e outros quadros
dormentes.
Havia uma acidez lânguida deslizando entre as sombras da persiana;
ele olhava o relógio de cinco em cinco minutos,
para não perder a preciosidade
do ócio.
Havia uma cadeira sempre
à espera.
II.
Um olhar outro na janela:
ele olha o relógio impaciente
de reciprocidade.
III.
Agora é abismo ardente e sufocante,
senta na cadeira, quiçá seu olhar alcance maior distância:
quando desencontro,
irremediável insônia.
Fez-se ausência presente
tão viva,
tão nova,
que os quadros parecem despertando
do sono de uma vida.
11 de janeiro de 2008
É paradoxal a percepção do avesso tão mesmo de meus prazeres. Preciso tanto de espaços de silêncio como de silêncios espaçosos, que dão vazão aos ruídos. Eu sossego com o silêncio dos pequenos barulhos que aconchegam a alma.
Há um silêncio, vivo e meu e necessário. Desde sempre, mesmo na inquietude de outrora, busquei minhas hiâncias. É um silêncio que me acompanha de forma indelével. Por vezes alegre, por vezes sôfrego, por vezes se esquece de mim entretido em seus vazios tantos.
Fica uma sensação, contudo, de que cada vez mais não há lugar para o silêncio. Nem de si mesmo, nem do outro. As pessoas atropelam o tempo na ânsia de preencher todos os espaços, consumir todos os prazeres, cumprir todos os deveres morais-sociais-ideais, tamponar todas as suas necessidades, barulhar os vazios inoportunos que interrogam sobre coisas que, afinal, deixa-se para pensar sempre uma outra vez.
Quando alguém me pergunta: 'por que estás quieta?', esboço distintas respostas, mas não consigo devolver mais do que um certo silêncio de poucos ruídos. Precisamente, é deste espaço outro que não falo. Por ora, parece-me que em geral se extravasa em excesso na tentativa de prescindir de uma e qualquer abstenção.
Que 2008 lhes seja repleto de (a)temporalidades...