16 de novembro de 2008

Aquarela (ou: pinceladas multicor)

I. E falávamos de vida, da finitude de todo instante, do filme de há pouco, da livraria fechada, de pressas e vontades; e então pareceu surpresa com uma frase que, sem mais nem menos, me escutei compelida a dizer: que bom que nos temos.


II. Toda perda é também uma perda de si; deste contorno que supostamente nos outorga a possibilidade de um 'si'.


Si, e se, e quando... bemol?


A insana sensação de que estamos em extensão, tanto de mim bem ali - e meu acolá se esconde. Transmissão? Invenção? Todos modos, me encantam os improvisos, conquanto para mim condicionados à costura segura de uma partitura. Dentro das linhas, aí sim, devaneio. O olhar-reflexo reverbera prazerosamente. E, assim, posso destituir-me. E me ir. E me des-ser.


III. A cafeteira faz seu café borbulhando tons; ela acha graça dos vizinhos pagodeiros, do gato desesperado com seus gritos medonhos, do velhinho da porta ao lado e suas imprevisíveis gargalhadas, da moça na janela a limpar incansavelmente suas vidraças. Petulantemente, segue seu ofício, vez por outra arriscando compasso novo, ensaio disruptivo a abalar o mesmo-tão-mesmo. Pena que suas pausas parecem não encontrar um tempo comum.

IV. Os conselhos que quase sempre são tão vazios, precisamente por ignorarem a passionalidade das coisas. Da potência que elas exalam. Não: sigo a preferir as intensidades.


V. O assombro que relança o olhar: "talvez seja interessante que estejas a produzir nos trajetos, e não ao parar".


VI. De fato, sinto-me estranhamente atraída por lugares entre. E não é de agora; perdi as contas de quantas vezes esqueci-me de descer onde deveria, sigo em frente, capturada em pensamentos e idéias que parecem tão assustadoramente novas, em um vão e presunçoso esforço de memorizá-las, para posterior registro. Porém, do registro já se escapa, restando, não apenas, a possibilidade de passos outros. É um paradoxo incessante: quando não estou em lugar algum, é também quando mais me estou.

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