7 de agosto de 2014


O mito da maternidade perfeita

Tenho para mim que vivemos uma era de transição, no que tange ao campo da maternidade e paternidade. Uma conjuntura peculiar que faz com que as famílias tenham mais tempo ou disposição (se é que podemos falar em 'ter tempo' quando se tem um filho!) para se interrogar, questionar, pesquisar sobre inúmeros aspectos desta linda missão que assumimos quando decidimos receber um bebê no mundo.


Disto derivam diversos grupos de pais, fóruns de discussão na internet, blogs, comunidades virtuais. Todos os temas, da gestação à criação de uma criança, são intensamente debatidos, ponderados, problematizados. O que não faltam são relatos e fotos romantizadas, pintando um cenário cor-de-rosa para uma experiência que, os pais bem o sabem, abriga todas as cores do universo.


Por um lado, a facilidade da informação propicia a circulação de ideias e a conscientização destes processos - que deixam de ser automatizados, passando mais bem à condição de escolhas que fazemos em torno à criação de nossos filhos. Por outro, em certa medida, pode fazer com que os pais sejam conduzidos a escolhas antecipadas, desenhando de antemão um script idealizado para os acontecimentos - em geral, tão díspares - que irão se suceder neste encontro sempre singular. Quase como se, em tempos de consumo desenfreado, também estivessem à disposição "pacotes prontos" da maternidade, ideias preconcebidas e dicotomizadas (isso é bom! isso não presta!), deixando os pais em apuros caso, por algum motivo, uma curva aparecer nesta linha reta. Cria-se um mito de perfeição em torno ao exercício da maternidade, que me soa estranho e perigoso.


Perguntas que me faço: por que cercearmos a criação de nosso filhos com tantas certezas, esquecendo a potência do insabido, do incerto? Qual o limite na linha tênue entre ofertar aquilo que nos parece melhor, que comunga de nossos valores e modos de viver (transmissão necessária e estruturante) e/ou aliená-los em nossas escolhas, eventualmente sobrepujando suas possibilidades de expressão desejante e singular?


Talvez seja este mesmo o difícil exercício: é, sim, preciso emprestar, transmitir, ensinar; mas é também preciso suportar que um filho faça com estes elementos o que lhe convier, e aí abrem-se infinitas possibilidades, de um sujeito que se constrói. É preciso abrigar sem prender, transmitir sem impor, afagar sem sufocar. Equilíbrio nem sempre fácil de sustentar.


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